"Sexta-Feira Santa de 1991 será possivelmente uma data para recordar, quando se analisarem os valores permanentes da piedade popular e as pricipais mudanças introduzidas nela depois do Vaticano II. Neste dia, o Papa João Paulo II estreou uma nova "Via Sacra" no Coliseu de Roma e deu-a a conhecer ao mundo através da televisão.
A Via Sacra é talvez a mais bela e antiga das devoções que brotou do coração do povo no seu afã de reproduzir os mistérios da paixão e morte do Redentor. Os cristãos sempre quiseram meditar e acompanhar espiritualmente a Cristo, com devoto recolhimento, no seu caminho da cruz, caminho doloroso, caminho amargo.
Com a descoberta da verdadeira cruz de Cristo no século IV, os peregrinos que chegavam a Jerusalém encotravam uma tradição estabelecida que ligava a determinados lugares os acontecimentos mais importantes da paixão do Senhor. O peregrino fazia este percurso para recordar piedosamente os factos principais aí acontecidos. As "estações" (que na antiga linguagem da Igreja significavam"paragens") de Jesus no seu caminho para a crucificação pela "via dolorosa" impressionavam e exerciam um forte impacto nos peregrinos.
Mais tarde, surgiu a ideia de reproduzir as ditas "estações" e colocá-las nas igrejas, para facilitar esta prática de devoção a todos os fiéis que não podiam peregrinar à Terra Santa. Os Franciscanos foram os que fizeram maiores esforços para divulgar a Via Sacra, prática que, pouco a pouco, foi entrando no povo cristão nas sextas-feiras, dia que comemora especialmente a paixão do Senhor, e sobretudo nas sextas-feiras da quaresma e especialmente na Sexta-Feira Santa.
A "Via Sacra" tem sido e é um meio eficaz de centrar a espiritualidade do povo cristão em torno do caminho da cruz de Cristo, que é uma caminho essencialmente pascal. Com uma linguagem próxima do povo cristão e com o simbolismo do caminhar fisicamente, exprimia-se espiritualmente o acompanhamento de Cristo no caminho da cruz. Esta prática piedosa reúne imagem e ideia, acção externa e disposição interior, verdade e criação do espírito de fé.
A par das estações da "Via Sacra" que têm base nos relatos evangélicos, surgiram outras que não se deduzem directamente da Sagrada Escritura, mas que eram expressão veemente e sincera do amor e da fé dos cristãos. E aqui vale a pena respeitar e valorizar as afirmações da piedade popular, quando dá livre curso à sua imaginação ou à sua intuição espiritual, livre e profunda, reverente e confiante, sempre repassada de ternura para com o Crucificado.
A reforma litúrgica promovida pelo Concílio Vaticano II quer que todas as expressões de oração se baseiem cada vez mais na Sagrada Escritura, para evitar possiveis subjectivismos. Desde há anos, existiam já novos formulários da "Via Sacra", com novas estações. Optou-se pela supressão duma linguagem sentimentalista e procuraram-se textos simples e directos.
Por isso, não é de estranhar que o Papa João Paulo II, para a "Via Sacra" a que presidiu, em Roma, na noite de Sexta-Feira Santa de 1991, tenha utilizado um formulário em que todas as estações têm um fundamento evangélico, quer dizer, em que se recordam os episódios que foram recolhidos por algum dos quatro evangelistas. Em concreto, as quatorze estações deste novo modelo de "Via Sacra"são as seguintes:
1ª- Jesus no horto das oliveiras(nova);
2ª- Jesus atraiçoado por Judas e preso (nova);
3ª- Jesus é condenado pelo Sinédrio (Nova);
4ª- Jesus é negado por Pedro (nova);
5ª- Jesus é julgado por Pilatos (antes a 1ª);
6- Jesus é flagelado e coroado de espinhos (nova);
7ª- Jesus carrega a cruz (antes a 2ª);
8ª- Jesus é ajudado pelo Cireneu (antes a 5ª);
9ª- Jesus encontra as mulheres de Jerusalém (antes a 8ª);
10ª- Jesus é crucificado (antes a 11ª);
11ª- Jesus promete o seu reino ao bom ladrão (nova);
12ª- Jesus crucificado, a Mãe e o discípulo (nova);
13ª- Jesus morre na cruz (antes a 12ª);
14ª- Jesus é depositado no sepulcro (como antes).
A "Via Sacra", na sua forma antiga ou na sua expressão mais actual, há-de ser sempre escola de arrependimento e conversão, escola para superar a dor, escola de vida em que seja reflectida a nossa existência diária, escola de meditação, escola de oração em comum. A Via Sacra ajudar-nos-á sempre a concentrar-nos no mistério da paixão salvadora de Cristo e solidarizar-nos com a dor dos homens."
Madrid, 29 de Março de 1991, Sexta-Feira Santa.
Andrés Pardo
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